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[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
[…]
1ª Voz
Este tempo está feito um domingo monstruoso
2ª Voz
É dos que levaram do cavalo as mãos
3ª Voz
Levaram os sonhos para casa
1ª Voz
Fazem de mortos para escapar aos vivos
2ª Voz
Fazem de vivos e fazem mal
3ª Voz
Entretanto no fundo de olhos inteligentes
agitam-se oceanos de saliva
1ª Voz
Um pequeno espaço no tempo
de que os pilotos gostam
2ª Voz
O interior do meu navio
3ª Voz
O interior do meu navio a branco
1ª Voz
O interior do meu navio a branco
são estas avenidas sem retrocesso
onde o sangue pagou o seu tributo ao esqualo
e onde tu não estás meu triunfo e meu espasmo
de corpo livre a ver o vento aterrar
2ª Voz
Agora já passou agora basta
3ª Voz
Agora regressar ao interior do navio
1ª Voz
Agora vêm aí pedir pedir-nos a verdade
como quem pede troco do planeta para as dez
dez e meia onze horas da manhã
2ª Voz
A verdade eu explico
3ª Voz
Arcturus e Astralis egípcios-alemães
passam neste momento na direcção norte-norte
a terra vai tremer e precipitar-se
1ª Voz
No donde nunca saiu embora se mova
2ª Voz
E com ela a verdade
3ª Voz
Verdade azul verdade branca dos rios
1ª Voz
Verdade em linha recta dos olhos dos namorados
2ª Voz
Verdade cor de muro
3ª Voz
Cor de cinema pobre
1ª Voz
E depois cor de fogo verdade escura cor de homem
2ª Voz
E sabem para que são estas verdades todas
e todos este livros de moradas?
3ª Voz
São para glorificar o corpo a corpo
o boca a boca o calça a calça e as mãos nas mãos
perceberam?
1ª Voz
Não não perceberam
2ª Voz
São milhares de cabeças separadas do tronco
mantidas por filamento junto à nuca
(breve pausa)
3ª Voz
Até aqui nada de extraordinário
[…]
excerto de Inquérito, Mário Cesariny
(em 19 projectos de prémio Aldonso Ortigão
seguido de Poemas de Londres, 1971)
[…]
E todas as bibliotecas inundadas perdidas incendiadas
todas as quimeras onde houve gente e de que não
resta pedra sobre pedra
rosto ao lado de um rosto num portal antigo
porisso a tua Gare Ilimitada a que arrancaste por-
tas e telhado para homens e mulheres pode-
rem sempre partir
e os infindáveis baralhos de cartas onde a cada
momento interrogasse o destino
ó viera das silvas dos teus cabelos
presos à dança da pedra e do ar
«A este propósito lembraremos o mito de uma idade paradisíaca onde os seres humanos podiam facilmente subir ao céu e estabelecer relações familiares com os deuses. O simbolismo cosmológico da casa e a experiência xamânica da ascensão confirmam, sob outro aspecto, este mito arcaico. Eis como: depois da interrupção das comunicações fáceis que, no início dos tempos, havia entre o céu e a terra, certos seres privilegiados (e em primeiro lugar Vieira da Silva) continuam a poder efectuar a ligação dos planos superior e inferior. Da mesma maneira, os xamãs têm o poder de voar e de aceder ao céu através da «abertura central», enquanto para outros mortais essa abertura serve unicamente para a transmissão de oferendas» Mircea Eliade / Mário Cesariny
Por isso a tua Cidade dos Gatos onde Rimbaud terá
sempre o seu quarto
e onde Cecília a Doce vai começar a abrir
os seus braços de vento misturado ao vento
porisso as tuas mãos traçando linhas à passagem
contínua do navio
que fantasticamente flutua a teu lado
e o vale o vale imenso aberto e branco
[…]
excerto de Ode a Outros e a Maria Helena Vieira da Silva, Mário Cesariny
(em 19 projectos de prémio Aldonso Ortigão seguido de Poemas de Londres, 1971)
I found my April dream in Portugal with you / When we discovered romance like we never knew / My head was in the clouds, my heart went crazy too / And madly I said "I love you" / Too soon I heard you say / "This dream is for a day" / That's Portugal and love in April / And when the showers fell / Those tears I know so well / They told me it was Spring fooling me […]
April in Portugal, letra de Jimmy Kennedy (versão para gringos de Coimbra, de José Galhardo e Raul Ferrão, 1947)
I - Uma delegação de cidadãos composta de cinco membros descerá de dois táxis Palhinhas e atravessará o Rossio em estado de nudez. Após a prisão grandes manifestações de regozijo podendo haver lapidações em série.
II - Professor catedrático, preferência escritor, é empurrado nu para dentro de um eléctrico. Alocução à província. Dispersão.
III - Choque de um aeróstato monstro com os dois elevadores de Santa Justa previamente dispostos na passerelle. Evocação dos mortos da outra guerra. Uma senhora jovem. Dispersão.
IV - Duas delegações de cidadãos no total de dez membros descerão de dois táxis Palhinhas para atravessar o Rossio em estado de nudez. Após a prisão abertura de um parque de rebolagem. Mais lapidações.
V - Às cinco da manhã: ruptura de todas as negociações e preparação automática de novos cortejos.
Rebelião, Mário Cesariny, 1947
(em 19 projectos de prémio Aldonso Ortigão
seguido de Poemas de Londres, 1971)
Fantasmas, João Paulo Esteves da Silva (Memórias de Quem, 2007)
[…]
Sonho um barco em naufrágio e um mar tão fundo que a descida ao abismo é lentidão sem fim. Os afogados, no castelo da proa, ou subidos aos mastros, interrogam sem resultado aquele novo horizonte. Alguns, mais animosos, experimentam lançar-se desde o mastro grande para o caos sereno e azul que envolve tudo. Mas o gesto é inútil: permanecem pairando, o corpo em cruz, até que voltam ao ponto de partida. Outros propõem remar. E entretanto descem lentamente o abismo.
Recomeço a voar, lançando-me do alto da Rua Barata Salgueiro. Digo: «recomeço» porque no meu sonho há lembrança nítida de incursões semelhantes iniciadas sempre nesta rua. Entro no espaço abstracto, sem imagens, que será para o homem o voo puro. Os meus braços abertos são os reguladores da direcção.
Desço, quase a razar o solo, sobre a Avenida da República, em direcção ao Saldanha, que oferece o aspecto habitual de um fim de tarde de Verão. Do lado da Avenida Fontes Pereira de Melo, voando baixo como eu, uma mulher magnífica, solene, vestindo um longo traje de renda negra cujo ondear continua no espaço, Reunimo-nos sem trocar palavra, fitando-nos apenas, e, sem desvio na direcção comum, traçamos lentamente dois círculos concêntricos à estátua de bronze em baixo, afligida de grande circulação automóvel.
no final de Passagem dos Sonhos, Mário Cesariny
(em 19 projectos de prémio Aldonso Ortigão
seguido de Poemas de Londres, 1971)
Baile dos Câretos, Pedro Caldeira Cabral (Memórias da Guitarra Portuguesa, 2000)
As aias agem por elogio sob a viuvez do talco, centro de uma vela branca como um dorso, larga como um farol de vastos estremecimentos. Acusados de aspirar o ar puro dos montes, expiram os maquinistas. Há-os a pé e a cavalo, há-os com passo de subúrbio, há-os já sem vida sobre as fogueiras. Um homem ergue lentamente o braço, deixa-o cair em cima da cabeça. Está nisso desde a infância, uma organização comercial leva-o às feiras de Maio, seminu. O cataclismo sai-lhe pelas esporas. Embrulhadas demais, duas palavras irreversíveis quebram-me o aparo pouco habituado a estes seres. O ar gira uma chave ao desdobrar a mão que lhe aponta o país que aparta os movimentos. «Ungarito, digo eu, vê com que arte o amor retoma o brilho das cidades cantábricas!» […]
no início de Cabala Fonética, Mário Cesariny
(em 19 projectos de prémio Aldonso Ortigão
seguido de Poemas de Londres, 1971)
excerto de um doc sobre a Orchesta de Instrumentos Reciclados de Cateura (Paraguai)
2013, Domingo, dia muito horizontal. Foi. Podia perfeitamente começar por dizer, como de resto vou fazer, que pouco depois de acordar o meu olhar esbarrou numa caçarola onde dormiam para sempre umas dezenas de bichos armados de casca e pinças alaranjadas. Foi-me sugerido que os cozinhasse daí a um par de horas acompanhados de tofu (- Tó quê?). Fosse pelo tofu, que já foi vivo grão, fosse pela dieta dos camarões, que como nós vivem no fundo dos mares, devorando cadáveres dos vizinhos, decidi esperar que a fome surgisse para distrair o gastronómico remorso de subúrbio. Peguei num maço de papel prensado (Gramáticas da Criação, de Steiner) decerto esquecido de que um dia, como nós, foi eucalipto. Janela fora, andares mais abaixo, entre as fomes mais diversas ia crescendo a mais básica.
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
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Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
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