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[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
Em cima, “Rua Marquesa de Alorna, Lisboa, Outubro 2013”, mas talvez isso seja muito pouco. Adiante-se: Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre, nascida em Lisboa, em 31.10.1750, escrevia versos, o que não era muito comum para uma mulher naquele tempo e agora também não. Diz a wikipedia que somou os títulos de Donatária de Assumar, Condessa de Assumar, Marquesa de Alorna, Morgada de Vale de Nabais, Dama das Ordens de Santa Isabel de Portugal e da Cruz Estrelada da Áustria, Comendadora da Ordem de São João de Jerusalém, Dama de honra de D. Carlota Joaquina, da Sereníssima Regente Infanta D. Isabel Maria de Bragança e da Rainha D. Maria II de Portugal, e, na Áustria, pelo seu casamento, Condessa de Oyenhausen-Gravenburg. Conhecida pela alcunha “Alcipe”, faleceu em Lisboa, em 11.10.1839, na mansão do seu neto, D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Marquês de Fronteira, veador honorário da Casa Real, cargo que, diga-se porque apetece, também não devia ser muito comum. Raro momento de crítica literária muito contemporânea: Bom, “Assumar” até que sim. Já “Oyenhausen-Gravenburg” é como quem diz “Kartoffeln mit Sauerkraut”. Quanto à catrefada dos outros nomes, hum, nem por isso, mas "José Trazimundo" soa mesmo muito bem. Um dia em que comece a escrever versos adoptá-lo-ei como nom de plume. Em baixo, “Catrapácio & tabaco de enrolar, Lisboa, Outubro 2013”.
It always bothers me to see people
writing 'RIP' when a person dies. It just feels
so insincere and like a cop-out. To me, 'RIP' is
the microwave dinner of posthumous honors.
You know, some people got no choice,
and they can never find a voice, to talk
with that they can even call their own.
So the first thing that they see,
that allows them the right to be,
why they follow it, you know,
it’s called bad luck.
Lou Reed
Medonho me torna, talvez parte de uma espécie absurda, o misto de enfado e irritação quando, sobretudo no cinema gringo ou na escrita pop-rock, me cruzo com loas ao coração enquanto sede do que mais humano haverá em nós. A sério que sim, pois não passa de um músculo, um motorzinho que apenas pulsa, sim porque sim, ou não porque não, dependendo da saúde dessa substância viscosa, historicamente sobrevalorizada, a que chamaram sangue. Repare-se: até os peixes e anfíbios, até os reptéis e alguns invertebrados nascem providos desse músculo que bombeia seja o que for, qualquer substância surgida nesse caminho puramente animal. Algo de semelhante me acontece com a noção de alma. Isto não é apenas treta de blogger ocioso. Nos outros humanos e pós-humanos meus contemporâneos, até mesmo em vegetais e minerais, não faço a mínima ideia onde ou como localizar a alma ou o coração. Momento auto-depreciativo: em mim, avesso a quase todas as metáforas, ambos se situam algures entre o diafragma e intestino delgado, ou seja, no estômago. É aí, nesse sítio frequentemente cáustico, nessa paisagem no mínimo dissolvente, que residem as minhas escassas alegorias. É nesse fundo que costumo esbarrar no meu radar privado sobre o que sinto, sobre o que me rodeia. Claro que, subjacentes, ainda vou mantendo glândulas pelo corpo abaixo, por lugares baços e difíceis como o fígado ou o pâncreas, e outras geografias internas, de estética duvidosa, que por dentro nos alimentam de sensações ou de ideias sombras de outras sombras, mas isto nem de perto se pretende próximo de uma lição de Anatomia.
do "yearbook" liceal de Lou Reed
Bom, fui longe demais. Queria apenas dizer que, real, electronica ou metaforicamente, ao longo desta minha viagem longe de ser curta, já me morreram nos dedos, nos olhos da alma e do coração metafóricos, demasiados e demasiadas. Apenas um software qualquer de duvidosa origem me tem permitido sentir a revessa desses tsunamis emocionais com a dilação minimamente confortável de alguns dias. Daí que o que se segue não é uma hipérbole.
A surpresa ocorreu ontem, ao fim da tarde, ao reparar que Lou Reed tinha falecido. Atente-se nesta circunstância digna de Asperger: sou incapaz de adorar seja quem for, sobretudo celebridades, até aquelas cuja obra mais admiro; podem nascer, pulular, dizer o que for, defecar verdades ou criar belas ilusões, e ainda assim os pés da minha alma ou do meu coração virtuais preferem conservar uma espécie de reserva emocional. Ao longo de tantas décadas, já se foram alguns parentes e demasiados amigos queridos, alguns criadores e pensadores, tudo gente que em mim deixou marcas pouco deléveis. Contudo, o tal aparelho produtor de dilações emocionais sempre preveniu maiores desastres. E daí ontem, ao fim da tarde, um inesperado murro no meu metafórico estômago. Apesar da memória que adverte da realidade em contrário, até ontem ainda sentia como natural e eterna a companhia de raras pessoas reais ou virtuais, que preferimos julgar próximas para todo o sempre. Bom, dizem que o Sr. Lewis Allan Reed faleceu. Pela reacção anómala das minhas entranhas, quase poderia jurar que não.
Ao que consta, o primeiro registo videográfico de Lou Reed, em 1962
Ao fim de quase nove (sic) anos nesta coisa a que depreciativamente chamamos bloga, a quebra de um tabu pessoal: mais abaixo, um exercício necrológico na data da morte de alguém famoso. Sem fazer a mínima ideia se o costume ainda persiste, há meia dúzia de anos era bastante frequente: bastava que algum criador ou pensador fosse desta para pior para, sempre demasiado breves, se multiplicarem extremas pós-unções. Por essa altura, naqueles blogues com a janelinha de motor de busca interno, cheguei a tentar confirmar, com um misto de maldade e curiosidade, se os autores dos posts necrológicos teriam referido as vítimas ou as sua obras antes do seu falecimento. Escusado será dizer que a curiosidade saiu quase sempre a perder. Não esquecendo que qualquer blogger pode adorar a obra de alguém sem a obrigação de referi-la antes da sua morte, julgo que, nesses casos sem passado, talvez se tratasse de um ou da combinação de três factores em ordem decrescente de benevolência: pura mimese de uma tradição jornalística; pretexto, seja ele qual for, para mais um post e/ou cativação oportunista de visitas derivadas do aumento exponencial de buscas pelo nome da celebridade logo após a sua morte. A aversão a funerais, e a qualquer destas razões para elaborar um post, justifica, creio, este meu tabu privado. O “meu” caso com Lou Reed é diferente. Entre músicas, vídeos, letras ou excertos delas, de Reed a solo, com parcerias infelizes, ou com os Velvet Underground, devo ter utilizado talvez meia dúzia por ano, o que rondará o abuso de várias dezenas. O “problema” é que são tantas, em cinco décadas de uma carreira nem sempre brilhante, as cancões dignas de registo ou memória deste filho de judeus, assumido gringo de Brooklin, que não sei bem o que lhes fazer no futuro.
Rock'n'roll, The Velvet Underground, 1970
Um par de indícios contraditórios: em Julho de 2008, Reed veio concertar no lisboeta Campo Pequeno. No mesmo dia e hora, outro trovador, igualmente judeu e gringo, veio actuar no Optimus Alive, em Algés. Ainda recordo diversas manifestações infantis de “escolha”, típicas da bloga de então. Resumindo, quem se presumia totó, optou por um Cohen, claramente mais luzidio no seu domínio da palavra escrita e definitivamente muito mais limitado em termos estritamente musicais. Tratando-se essencialmente de música ao vivo, preferi pagar um balúrdio para ouvir Reed e a orquestra de que se serviu para reencenar “Berlin”, um dos momentos mais felizes da sua história. Seja, também houve momentos em que discordei, em absoluto, dele:
I think it's pretentious to create art just for the sake of stroking the artists ego.
How can anybody learn anything from an artwork when the piece of art only reflects the vanity of the artist and not reality?
I don't believe in dressing up reality. I don't believe in using makeup to make things look smoother.
Dito isto, nem quero imaginar o montão de vezes que, nos próximos dias, os usuais connaisseurs da prosaica superfície das coisas, a gente do costume que prevalece, toda essa gente talvez inexperiente da mínima rebeldia que este mundo costuma exigir para revelar o que subjaz aos seus véus, irão reproduzir o estafado Walk On The Wild Side. Seja, nunca pior. Diria o bardo nova-iorquino e eu, ao menos nisso, acompanhá-lo-ia:
These are really terribly rough times, and we really should try to be as nice to each other as possible... I’ve been around, I know what makes things run… I’m set free to find the new illusion.
Reed visto por Warhol + I'm Not A Young Man Anymore, The Velvet Underground
Sad Song, Lou Reed
I'm Set Free, The Velvet Underground
Life's like a mayonnaise soda / And life's like space without room / And life's like bacon and ice cream / That's what life's like without you
Life's like forever becoming / But life's forever dealing in hurt / Now life's like death without living / That's what life's like without you
Life's like Sanskrit read to a pony / I see you in my mind's eye strangling on your tongue / What's good is knowing such devotion / I've been around - I know what makes things run
What good is seeing eye chocolate / What good's a computerized nose / And what good was cancer in April / Why no good - no good at all
What good's a war without killing / What good is rain that falls up / What good's a disease that won't hurt you / Why no good, I guess, no good at all
What good are these thoughts that I'm thinking / It must be better not to be thinking at all / A styrofoam lover with emotions of concrete / No not much, not much at all
What's good is life without living / What good's this lion that barks / You loved a life others throw away nightly / It's not fair, not fair at all
What's good? / Life's good - but not fair at all
What’s Good?, Lou Reed, "Magic & Loss", 1992
excerto de "Seven Chances", Buster Keaton, 1925
Prenúncio, coisa antiga, vinte e poucos
Sinais de uma adolescência tardia
Foi ontem, há tantos ontens, cegos
Becos, dúzias deles, mas podia ser que
Acordasse hoje farto de sais e açúcares
De mais um dia entre blogues e saites
Jornais e têvês, dêvêdês e mptrês
Relógios alheios, concerto nenhum
Convenções, lugares do costume
Colegas e amigos, tempo tanto e
Perdida entre vácuos, palavras
Sons e retratos: a paciência. Farto
Saí de casa. Ao fim de alguns passos
Já arrastava o corpo pelas paredes
Desatava aos pontapés aos cães
Aos carros e às casas. Agredia aqui
Uma pessoa, a outra roubava mais além
Um daqueles beijos que esmagam os lábios
Desconcertando línguas doridas de si e tantos nós
No lamento de não terem sido arrancadas
Sem palavras, só os olhos ardiam, assim
Deve ter sido que, em plena rua, num poiso incerto
Abandonei três ou quatro, meia dúzia, talvez
Suponho que trocámos de corpos, bares ou
Farmácias, frases feitas, cansados saberes
Conhecimento bíblico, sim, através da pele
Fui preso, é claro (isto pude escrever
Era sobrinho do xerife), mas o tempo não é
Enfim, assemelhando se vai ao presente
Volto para casa, olho as paredes e saio de casa
Assassinas, fuzilam-me as pupilas da vizinha
Nos passeios as gentes esbarram em mim
Dão-me a sentir ombros, facas e cotovelos
Corro até à ponte… os paralelos são frios…
Mas não, ainda não. Curto se afigura o salto
Asas feridas, atravesso o rio e aterro num campo
Respiro, deito-me nas ervas, espreguiço olhares
Uma lebre que se abeira, um caracol
Também, ao longe, um grilo que saltita
De todos a mais veloz , uma vaca
Lambe-me, hesita e come-me
Fiz como nos livros.
Dividi-me em sete dias. […]
Espalhei os dez dedos pelos dias e, primeiro, criei os céus e as areias daquele lugar que não havia.
Depois, os dois luzeiros: um para o dia e outro para a noite do deserto.
No terceiro dia, fiz uma casa com um alpendre e uma cadeira no alpendre.
Foi então que senti o sangue bater na minha noite e soube do sinistro silêncio de toda minha vida, e era o quarto dia. […]
E no sétimo dia vi que tudo tinha um sentido, e sentei-me na minha casa, no meu alpendre, na minha cadeira.
Pela escrita tinha eu pois chegado ao sétimo dia, ligando tudo, ligando o que não é visível mas como é audível, semelhante às correntes de água subterrânea que o nosso próprio corpo solitário sente deitado sobre a terra.[…]
excertos de Apresentação do Rosto, Herberto Hélder, 1968
Vielen dank, Brüder
Meine rechte Hand, im Gegensatz zu meiner Linken
Ist eine Ballerina geworden. Sie springt und springt
Und tanzt, unendlichweise sie tanzt, ungleich meine Füße
Still sind alle, ungleich mein Geist, der fliegt und fliegt
Im Unterschied zu der Zeit, sie tanzt und springt und tanzt
Em marte aparece a tua cabeça - 249
A bicicleta pela lua dentro – mãe, mãe - 251
A menstruação, quando na cidade passava 255
Em silêncio descobri essa cidade no mapa 258
Mulheres correndo, correndo pela noite 260
Era uma vez toda a força com a boca nos jornais 262
Todas pálidas, as redes metidas na voz 264
Tinha as mãos no gesso. Ao lado, os mal- 266
Joelhos, salsa, lábios, mapa. 268
excerto do índice de “Poesia Toda” (ed. 1990), de Herberto Hélder
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
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Setembro Agosto Julho
Junho
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Algumas pessoas:
T ; José Carvalho da Costa, Francisco Q ; Alcino V, Vitor P ; José Carlos T, Fernando C, Eduardo F ; Paulo V, "Suf", Zé Manel, Miguel D, S, Isabel, Nancy ; Zé T, Marcelo, Faria, Eliana ; Isabel ; Ana C ; Paula, Carlos, Luís, Pedro, Sofia, Pli ; Miguel B ; professores Manuel João, Rogério, Fátima Marinho, Carlos Reis, Isabel Almeida, Paula Morão, Ivo Castro, Rita Veloso, Diana Almeida
Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
José Afonso ; 13th Floor Elevators, The Monks, The Sonics, The Doors, Jimi Hendrix, The Stooges, Velvet Underground, Love / Arthur Lee, Pink Floyd (1967-1972), Can, Soft Machine, King Crimson, Roxy Music; Nick Drake, Lou Reed, John Cale, Neil Young, Joni Mitchell, Led Zeppelin, Frank Zappa ; Lincoln Chase, Curtis Mayfield, Sly & The Family Stone ; The Clash, Joy Division, The Fall, Echo & The Bunnymen ; Ramones, Pere Ubu, Talking Heads, The Gun Club, Sonic Youth, Pixies, Radiohead, Tindersticks, Divine Comedy, Cornelius, Portishead, Beirut, Yo La Tengo, The Magnetic Fields, Smog / Bill Callahan, Lambchop, Califone, My Brightest Diamond, Tuneyards ; Arthur Russell, David Sylvian, Brian Eno, Scott Walker, Tom Zé, Nick Cave ; The Lounge Lizards / John Lurie, Blurt / Ted Milton, Bill Evans, Chet Baker, John Coltrane, Jimmy Smith ; Linton Kwesi Johnson, Lee "Scratch" Perry ; Jacques Brel, Tom Waits, Amália Rodrigues ; Nils Frahm, Peter Broderick, Greg Haines, Hauschka ; Franz Schubert, Franz Liszt, Eric Satie, Igor Stravinsky, György Ligeti ; Boris Berezovsky, Gina Bachauer, Ivo Pogorelich, Jascha Heifetz, David Oistrakh, Daniil Trifonov
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