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[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
Quanto tempo pode durar uma cidade,
a vida de uma cidade, inteira?
É de perguntas assim – inúteis como
todas – que se constroem por vezes
as capitais da nossa solidão, os passos
que fugazmente nos conduzem
à alegria e ao desespero, à voz possível.
Não é difícil precisar a rude e fortificada
duração de Ansiães, a velha: do século
XI a 1734, por ignorados motivos.
Menos exactos são os túmulos pré-cristãos
que se abriam na dureza do solo transmontano,
com lugar vazio para três pessoas. Éramos
mais, nessa tarde que foi do largo de Grijó
à imensa desolação de Carrazeda, terminando
apenas (e tão bem) em Parada de Cunhos.
Mas são esses – os de Carrazeda, a nova –
os túmulos vivos que nos restam:
cafés apinhados, lojas que se esqueceram de fechar,
a vasta e inacreditável quinquilharia que
faz da Papelaria Horizonte um exemplo de sucesso.
Penhores, dispersos, de algo que nunca existiu.
Um país, garantem-nos. Mas Ansiães, a velha,
nasceu antes da nacionalidade, embora
a tenha acompanhado o melhor que pôde.
Parecem demasiado perfeitas, estas ruínas,
demasiado diferentes daquela que será um dia
a nossa. Entretanto, abelhas, gafanhotos
e lagartos confundem-se com a teimosia das pedras
que a todos, e a nós também, sobreviverão.
É o seu modo calmo de profanar as duas igrejas
românicas – o que delas sobra – e os bruxedos
encenados por quem da vida ou da morte espera ainda
alguma coisa. Pelos afortunados, em suma.
Quanto a mim, gostaria apenas de saber se
existe mesmo a borboleta em forma de forquilha
que te pousou no ombro (as fotografias, escusado
dizer, não serão prova bastante). A única certeza,
para já, é a de que não caberíamos em nenhum
dos túmulos (a observação foi do Rui, e pertinente).
As cidades, já se sabe, também morrem. Mas poucas vezes
terá sido tão belo o desencanto de o saber. «Bem-vindo
a Benlhevai» – parece querer dizer o vento
a estes frágeis viandantes, desprovidos de aguilhada.
Ruínas de Ansiães e Carrazeda, Manuel de Freitas, 2009
Antes que isto desague em mais um post de blogger tradicional que ainda me orgulho de ser, i.e., pleno de inutilidades para outros que não eu, seguem algumas sugestões para quem procura casa em Lisboa, resultado algo cru de impressões muito subjectivas após uma semana bem sofrida na selva imobiliária alfacinha. Aí vai:
Caras vítimas indefesas do pato-bravismo militante na arquitectura das últimas quatro décadas (ou seja, do nefasto conluio entre a banca, empreiteiros, autarcas e população, no seu geral, desprovida de uma sensibilidade visual bastante, e daí incapaz de evitar que numa cidade que já foi bonita apenas se mantenham dignos de olhar e viver alguns nichos em bairros ainda típicos, nalguma baixa pombalina, e outros acasos nalgumas zonas adjacentes), caso desconheçam alguém que conhece alguém que conhece alguém que conhece alguém que, a preço decente, até tem disponível um sítio também decente para venda ou arrendamento, preparem-se para desesperar com a disfuncionalidade de quase todos os infoportais imobiliários. Seja para deambular pelos sites (quase todos atolados em, passe a redundância, publicidade inútil), ou saltar de menu para sub-menu especificando a escolha, a quantidade de cliques obrigatórios e desnecessários roça frequentemente o absurdo.
Desconfiem sempre das fotos que acompanham o descritivo de cada anúncio. Poucas conseguem descrever o imóvel com a assertividade e aproximação ao real que os interessados procuram. Uma boa parte parece resultar da maior ignorância técnica ou da tradicional ausência de cultura visual de um povo mais vocacionado para a palavra treta. A outra metade deriva do típico chico-espertismo mediterrânico, em que um ligeiro conhecimento de como os botões das fotográficas máquinas funcionam, se bem que não consiga iludir os suspeitíssimos ângulos arredondados dessas fotos, permite transformar um quarto em que mal cabe uma cama de casal numa suite presidencial.
Detalhe pitoresco: cerca de metade dos anúncios desses portais não apresenta fotos da zona circundante ao imóvel; outros apresentam “vistas”, em que as aspas revelam paisagens que nada têm a ver o horizonte possível nem com a zona onde o imóvel se encontra. Exemplo demasiado utilizado: fotos da colina do Castelo de S. Jorge, “visto” do jardim de S. Pedro de Alcântara, em anúncios de imóveis com áreas brutas que na realidade correspondem a não mais que “grutas”, com o horizonte demasiado estreito do Bairro Alto, de Santa Catarina, muito longe de qualquer “Graça”.
Seja, tudo acima se refere à imagem, sobre a qual já todos conhecemos (ou deveríamos ter uma noção desse "saber) os limites intrínsecos à sua natureza de “apenas imagem”. Quanto ao abuso da palavra durante as visitas ao local, desconfiem da adjectivação utilizada pela maior parte dos agentes imobiliários. Alguns atingem o maximum ridiculus quando chegam ao ponto de anunciar como “cool” ou “cosy” buracos apenas suportáveis para ocidentais muito modernos, que utilizam a casa só para dormir ou para infelizes provindos de paisagens ainda mais terceiro-mundistas.
O óbice, para mim, começa logo ao detectar um padrão no discurso desta gente mal paga para vender quatro paredes. Há uma frase (“tudo é negociável”) que se repete por essas ou outras palavras na sua essência norte-africana. Atenuante: trata-se de um negócio. Contradição: a negociação, no meu caso avesso a qualquer regateio, nunca foi além da treta em volta de uns meros € 20. Ora bolas! Que negócio é este?
Tudo isto talvez seja natural em zonas metropolitanas, em que a maior parte das pessoas escolhe casa porque precisa de um tecto possível a um preço possível, sem grande atenção à paisagem adjacente. Aparte curioso, talvez apenas perceptível para quem já viveu em cidadezinhas e aldeias e daí mais disponível para manter o passatempo de observar os outros: a quantidade de gente que nesta cidade caminha olhando o chão. Em sítios menos povoados a percentagem de taciturnos é, creio, muito menor, tanto pela maior possibilidade de deparar com conhecidos e subjacente pressão social em cumprimentá-los, como por um casario desenhado de forma geralmente mais harmónica.
Quanto a Lisboa, exceptuando os bairros ainda típicos, a baixa pombalina e algumas zonas adjacentes, o desenho do seu casario acabou completamente desfigurado nas últimas quatro década de selvajaria imobiliária, fruto do esforço bem sucedido de empreiteiros, autarcas e munícipes adormecidos, engenheiros pouco civis e arquitectos imbecis, seguidores do péssimo exemplo gringo da doentia construção em altura, e, claro, dos banqueiros que financiaram este paraíso para tubarões e patos-bravos crentes no betão dessa infeliz ideia que ainda predomina.
Não obstante, milhares, intermináveis centenas de milhar, continuam a procurar um pouco de feliz cidade nesta paisagem cada vez mais inóspita. Quanto a mim, evito a condená-los por isso. Também eu vou fazendo o que posso. O mínimo, claro, enquanto o máximo acabaria demasiado próximo de uma empresa de demolições.
The painting showed a hairless, oppressed creature with a head like an inverted pear, its hands clapped in horror to its ears, its mouth open in a vast, soundless scream. Twisted ripples of the creature's torment, echoes of its cry, flooded out into the air surrounding it; the man or woman, whichever it was, had become contained by its own howl. It had covered its ears against its own sound. The creature stood on a bridge and no one else was present; the creature screamed in isolation. Cut off by - or despite - its outcry.
in Do Androids Dream of Electric Sheep?, Philip K. Dick, 1968
They used to talk about seeing only ‘reflections’ of reality. Not reality itself. The main thing wrong with a reflection is not that it isn’t real, but that it’s reversed.
in A Scanner Darkly, Philip K. Dick, 1977
perto da foz do Tejo, Novembro 2013
The randomness to which mutation testifies is implicit in the very idea of pattern, for only against the background of nonpattern can pattern emerge.
in How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics, Katherine Hayles, 1999
They caught me.
They took my legs away.
They sentenced me in the firmament of an ass.
The prison of an Eternity!
An Eternity of labor! of hee-haws!
Burdened with the soiled raiment of saints
I schemed escape.
Lugging ampullae its daily fill
I schemed escape.
I schemed climbing impossible mountains.
I schemed under the Virgin’s whip.
I schemed to the sound of celestial joy.
I schemed to the sound of earth,
the wail of infants,
the groans of men,
the thud of coffins.
I schemed escape.
God was busy switching the spheres from hand to hand.
The time had come.
I cracked my jaws.
Broke my legs.
Sagged belly-flat on plow
on pitchfork
on scythe.
My spirit leaked from the wounds.
A whole spirit pooled.
I rose from the carcass of my torment.
I stood in the brink of heaven.
And I swear that Great Territory did quake
when I fell, free.
excerto de Transformation & Escape,
Gregory Corso, 1960
[…]
Lipcurl, Swiveleye, Bluster, Crock and Queer,
Mister I'll-think-it-over, Miss Not-today,
Young Who-the-hell-cares and old Let-us-pray,
Sir Après-moi-le-deluge. It is here
They get their orders. These will have to pay.
Hear, the ice-wall of winter at our back,
Spring's first explosions throbbing across the plain,
Earth's diastole, flood tide of heart and vein:
Collect your forces for a counter-attack,
New life is on the way, the relief train.
em The Magnetic Mountain, Cecil Day Lewis, 1933
Expecting to Fly, Buffalo Springfield (prod. Jack Nitzsche), 1967
Les hélicoptères doivent s’efforcer de voler à une hauteur telle que le bruit des rotors qui parvient en direct au public soit beaucoup moins fort que le son retransmis par les haut-parleurs, ou, mieux encore, qu’il ne soit plus audible du tout.
no texto introdutório a Helikopter-Streichquartett
Karlheinz Stockhausen (versão francesa, 1999)
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
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Algumas pessoas:
T ; José Carvalho da Costa, Francisco Q ; Alcino V, Vitor P ; José Carlos T, Fernando C, Eduardo F ; Paulo V, "Suf", Zé Manel, Miguel D, S, Isabel, Nancy ; Zé T, Marcelo, Faria, Eliana ; Isabel ; Ana C ; Paula, Carlos, Luís, Pedro, Sofia, Pli ; Miguel B ; professores Manuel João, Rogério, Fátima Marinho, Carlos Reis, Isabel Almeida, Paula Morão, Ivo Castro, Rita Veloso, Diana Almeida
Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
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