Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
Pedro: A história do pensamento humano relembra um pêndulo que demora séculos no seu balanço. Após um período de dormência, chega um momento de despertar. Então, o pensamento liberta-se das cadeias com as quais os principais interessados – governantes, legisladores, clérigos – o rodearam. Quebra as correntes. Submete ao criticismo mais severo tudo que lhe ensinaram e desnuda o vazio dos preconceitos religiosos, políticos, legais e sociais, entre os quais vegetava. Começa a buscar novos caminhos, enriquecendo o nosso conhecimento com novas descobertas, criando novas ciências. Mas os inimigos inveterados do pensamento – o governo, o legislador, o padre – logo recuperam da sua derrota. Gradualmente, vão reunindo as suas forças dispersas, readaptando a sua fé e as suas leis às novas necessidades.
Filipe: Ser-te-á exigido que ajas de modo errado em qualquer sítio para onde vás. É a condição básica de estar vivo ser obrigado a violar a própria identidade. A qualquer momento, cada criatura viva acaba por fazê-lo. É a última sombra, a derrota da criação; a maldição em curso, o caminho que alimenta toda a vida. Em qualquer parte do universo.
Humberto: Alto é melhor que baixo, porque se estiveres de cabeça para baixo, vem-te o sangue à cabeça, porque os pés cheiram mal e o cabelo menos, porque é melhor subir a uma árvore para apanhar frutos do que acabar debaixo da terra a engordar os vermes, porque raramente te aleijas se tocares em cima (tens de estar mesmo na mansarda) e de costume magoas-te se caíres abaixo, e é por isso que o alto é angélico e o baixo diabólico. Mas como também é verdade o que eu te disse primeiro sobre a minha barriga, são verdadeiras as duas coisas, é belo o baixo e o dentro, num sentido, e no outro é belo o alto e o fora, e isto nada tem a ver com o espírito de Mercúrio nem com a contradição universal.
excertos de Anarchist Morality, Piotr Kropotkin, 1890, Do Androids Dream of Electric Sheep?, Philip K. Dick, 1968, Il Pendolo di Foucault , Umberto Eco, 1988
Gifs de autor desconhecido (extraídos da série televisiva "The Big Bang Theory")
+ The Tracks of My Tears, versão de Carmel, 1984 (original: The Miracles, 1965)
Não é que seja fácil esquecer caras, expressões faciais e, menos ainda, impressões de inúmeras caras e expressões faciais que fui recolhendo ao longo de tanto tempo. Exceptuando alguns períodos de imperfeito vácuo durante a infância, consigo recordar, à escala do pixel mais mínimo, a diversidade expressiva de quase todos, que, em mim, deixaram marcas bastantes de um sinal «mais». A maior parte deles e delas repousa, incólume, no fundo de mim e desse meu espelho possível: a primeira coluna à esquerda nos alicerces deste blog.
Confissão algo ridícula: em momentos de maior hesitação, durante encruzilhadas pessoais, chego a perguntar “O que faria X nesta circunstância? E T, o que diria? Quanto a Z, tenho quase a certeza de que…”, o que, longe de qualquer dúvida, talvez explique por que raio, diante de quem já me não cruzo há meses ou anos, o nível de comunicação atingido se assemelha a tê-los encontrado no dia anterior. Talvez, do outro lado, isto soe meio estranho, do género “Este gajo, apesar da troca de telemóveis e endereços de email, quase nunca diz nada e quando o faz, parece não haver qualquer distância entre nós”.
É, em momentos assim, que evito confessar a imensa dificuldade de entender a existência de talvez uma dúzia de pessoas que, faça eu o que fizer ou deixe de fazer, continua a gostar de mim. Esse calor é-me extremamente confortável, claro. Um frio maior reside em desconfiar donde essa minha incompreensão advém (dos tais períodos de vácuo durante a infância?). E, no entanto, apesar de não conseguir praticá-la, sei, à escala de um milímetro de pele, que a partilha das fragilidades mais íntimas costuma servir de betão às amizades mais duradoiras.
Ainda ontem queimei mais algumas pestanas na leitura de “How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics”. Entre tanto que a autora, N. Katherine Hayles, ali vai dizendo, embati num conceito subjacente - “social skills” -, que me permitiu descobrir que o erro reside sobretudo em mim. Em vez de entender essa expressão como “talentos para socializar”, traduzi-a, no imediato, como “habilidades sociais”, ideia, em si, plena de uma negatividade óbvia.
Bem que tentei, entre os meus vinte e os quarenta anos, aprender a socializar. Antes e depois disso, nunca me senti inteiro em trabalhos colectivos, mas fiz o que pude. Até aprendi o que não devia, perdendo um horror de tempo com gente pré-cartesiana, i.e., desprovida de um mínimo de lógica e bom-senso. Isso não obsta a que, ainda hoje, diante de pessoas que o trabalho actual me obriga a conhecer durante breves minutos ou longas horas, consiga comunicar o que é preciso, resolvendo sombras de litígios sem dificuldades de maior.
O problema tem recaído no tempo chamado “livre”. Ao fim de uma dezena de anos em Lisboa, perdi a curiosidade em conhecer pessoas. Sendo natural, não deixa de ser pavorosa esta capacidade humana de todos, mais tarde ou mais cedo, acabarmos por desiludir os outros. Daí, creio, este meu receio urbano (suburbano, rural até?) em conhecer alguém “demasiado bem”. Mas adiante, que atrás e em frente, vem sempre alguém capaz de surpresas e, entre elas, sentado esperando vou, um saudável mínimo de sinais «mais».
O caminho foi-se estreitando. Em vez de se alargar, foi estreitando. Penso que se estreita cada vez mais. Fecham-se portas. Conforme avançamos fecham-se portas, é o contrário daquilo que as pessoas dizem. E o escritor não abre portas a ninguém que vem atrás, fecha. O Pessoa fechou portas, o Camilo Pessanha fechou portas, o Herberto fechou portas, toda a gente fecha portas. Eu não sei se fechei portas. Algumas, tenho consciência de que fechei, até para mim mesmo. E, no entanto, das poucas centenas de imagens que surgiram, ao longo dos últimos anos perto da foz do Tejo, sobraram umas dezenas por “publicar”. Entre tanto ruído, a maior parte do meu pudor também se foi. Daí vão mais algumas.
Como eu não tenho nem as paranóias da celebridade, nem da fama, nem glória, nem da posteridade, tenho de estar aqui precisamente. Sim, precisamente aqui, Lisboa, capital de um Império que, ao contrário da fé de Pessoa, desconfio, sede nunca será do sonhado Quinto, desgraça que nunca me impediu de ir “publicando”, nem que a posteriori, ideias-imagens para mim ainda válidas, além do meu presente. Não é que valham por si sós, mas convém não esquecer o incontornável facto de que este, mesmo parecendo que não, é um blog fiel depositário desse malfadado costume: a obscena "transparência" dos mal denominados "blogues umbiguistas”. Fosse isso o que fosse, seja isso o que for, o meu umbigo continua repleto de cotões muito diversos. Sempre desconfiado, não dos “futuros” (que à revelia de todos, sempre vão ocorrendo sem aspas), mas do “presente”, inquinado pelos filhos-sem-mãe que actualmente predominam, aqui vai residindo algo de mim e do passado mais recente. É de supor que quase tudo isto faça parte do prostituto universo que a quase todos desiludindo vai. Não obstante a nossa animal natureza, esperando sempre algo mais, receio que tão pouco seja tudo, tão próximo do nosso mais miserável limite, tão distante do nosso melhor desejo. Seja, isto não passa de mais um lamento, mas, foda-se!, é sobretudo nisto, nesta coisa fácil do lamento, que mais dói sentir-me contemporâneo. É que não sou, e ainda menos me sinto, súbdito seja de quem for. A sério que não.
cinco fotos de perto da foz do Tejo (Junho 2013) + um par de comentários, após apropriação abusiva de dois excertos, em itálico, da entrevista de Al Berto ao Diário de Lisboa, em 27.1.1989 (cf. “Diários” do mesmo, 2012)
Não acredito no génio, acredito, sim, na necessidade, na urgência, na ânsia de me manter por um fio entre a queda final e o precário equilíbrio das palavras. O trajecto escrito de um escritor nada tem a ver com a publicação de livros. Pode-se ser escritor, e nunca ter publicado um livro. Parece-me claro tudo isto. Os mecanismos da escrita são, de certo, mais profundos e misteriosos, para que estejam condicionados à simples publicação dum livro.
Al Berto, em 24.1.84 (excerto de Diários, 2012)
These Foolish Things, Bryan Ferry, 1973
“Depois de vivermos muitos anos junto ao mar / Sabemos que as palavras oxidam” é uma frase partida, uma ideia inteira de Armando Silva Carvalho, absorvida durante o banho de imersão semanal, vício que me aproxima dos paquidermes e, de um modo geral, dos herbívoros de grande porte. Ainda assim, mesmo que da Palavra já sem fé, rujo, quando não posso mais aguentar o pior da quotidiana ausência de ar. Por outro lado, soo-me mal no queixume e na auto-depreciação, mesmo que para fins meramente comédicos. Sem êxito, mantêm-se algum pudor, a decência possível, não lançando foguetes, p.ex., por um fim-de-semana quase perfeito. E «quase», apenas, pela desgraça de ter descoberto (não devia ter ligado o computador ao fim da tarde deste Domingo) a jovem palavra «expectável». Apesar de soar bem snob-pimba, vice-versa e ao contrário do que supunha, afinal existe. E assim, vão, oxidando me vou. Mas sei-os bem, os que passam bem pior neste tempo já não meu. Pagam-me, de vez em quando, para trabalhar entre eles, fazendo o que me deixam, fechando os olhos (os ouvidos nunca), tantas vezes à revelia do que me dizem próprio, mas pouco, quase nada, posso fazer por eles. Também contra isso enferrujo.
Is That Enough, Yo La Tengo, 2013
Oh, will you never let me be?
Oh, will you never set me free?
The ties that bound us are still around us
There’s no escape that I can see
And still those little things remain
That bring me happiness or pain
A cigarette that bears lipstick's traces
An airline ticket to romantic places
And still my heart has wings
These foolish things remind me of you
A tinkling piano in the next apartment
Those stumbling words that told you what my heart meant
A fairground's painted swings
These foolish things remind me of you
You came, you saw, you conquered me
When you did that to me I somehow knew that this had to be
The winds of March that make my heart a dancer
A telephone that rings, but who’s to answer?
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things remind me of you
Gardenia perfume lingering on a pillow
Wild strawberries only seven francs a kilo
And still my heart has wings
These foolish things remind me of you
The park at evening when the bell has sounded
The Isle de France with all the girls around it
The beauty that is Spring
These foolish things remind me of you
I know that this was bound to be
These things have haunted me
For you’ve entirely enchanted me
The sigh of midnight trains in empty stations
Silk stockings thrown aside, dance invitations
Oh, how the ghost of you clings
These foolish things remind me of you
First daffodils and long excited cables
And candlelight on little corner tables
And still my heart has wings
These foolish things remind me of you
The smile of Garbo and the scent of roses
The waiters whistling as the last bar closes
The song that Crosby sings
These foolish things remind me of you
How strange, how sweet to find you still
These things are dear to me
That seem to bring you so near to me
The scent of smouldring leaves, the wail of steamers
Two lovers on the street who walk like dreamers
Oh, how the ghost of you clings, these foolish
Things remind me of you, just you
These Foolish Things, Eric Maschwitz, 1936
À nascença, não é que alguém já o seja
De si mesmo, por destino ou natureza, mas
É de supor em tudo isto: azares e benesses
Acasos e desgraças que se sucedem públicas
Até mesmo as que o não são, na revessa
Da fome dos vampiros do mediático costume
Algumas insignificâncias, por apreender, resistem
Não importa exactamente quais, desde que.
Oh, desde que algo de novo surja… mas, bolas
Exactamente o quê de novo?! Velho, por antecipação
Sempre fui para tanto e, sem remédio, tanto mais ainda
Sem qualquer espaço para espúrios modernismos
De ocasião, sejam eles após, ou disso muito antes
Indícios, não menos, são o que disso carrego
Um desejo apenas de um sinal mais, um só corpo
Minimamente capaz de um pouco mais de além
Mesmo longe de qualquer afago neste mar escuro
Do breu deste sombrio terreno em redor
Repleto de duvidosas palmadinhas nas costas
Pleno de indiferença ou simpatia, ou ambas
Já podres desde o seu plano, na sua origem pecado
Um fígado cor de cinza em cima dos ombros
Tudo péptico nas pernas, na púbis e no tronco
Um sufoco no peito e no estômago um vómito
Mais atrás, na costa, um toráxico raio-x revelaria
Coça-me a minha, mais além coçarei a tua
E tudo normal, na construção civil, prosseguirá
Actual e pouco mais, neste meio relapso à palavra
Ou disso arremedos, entre labirintos tamanhos
Ao silêncio quase tudo, quase ninguém resiste. Alguns
Sempre vão tentando – servos da sua natureza, talvez
De mim, que eu saiba, nunca ninguém nada muito esperou
E, daí, admiro quem muito, eu ainda menos. Passe o trocadilho
Barato: De que adiantaria esperar por quem, por mim não, claro
Não mais aguardou senão indícios, o simulacro mínimo
De quem vivo, apenas subvive, mas, ainda assim, pergunta:
- Onde raio paira a Vida? Alguém sabe, ou desconfia apenas onde
Ao certo, se descobre essa almofada, um poiso mínimo, claro
Onde, saudável, possível seja sobreviver a tamanha pena?
"Coisas deste fígado cor de cinza que me pesa nos ombros", Fevereiro 2014
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
2017 Janeiro 2016 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro ; 2015 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro ; 2014 Dezembro Novembro Outubro
Setembro Agosto Julho
Junho
Maio Abril Março Fevereiro Janeiro; 2013 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro; 2012 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho
(arquivos não acessíveis
via Google Chrome)
Algumas pessoas:
T ; José Carvalho da Costa, Francisco Q ; Alcino V, Vitor P ; José Carlos T, Fernando C, Eduardo F ; Paulo V, "Suf", Zé Manel, Miguel D, S, Isabel, Nancy ; Zé T, Marcelo, Faria, Eliana ; Isabel ; Ana C ; Paula, Carlos, Luís, Pedro, Sofia, Pli ; Miguel B ; professores Manuel João, Rogério, Fátima Marinho, Carlos Reis, Isabel Almeida, Paula Morão, Ivo Castro, Rita Veloso, Diana Almeida
Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
José Afonso ; 13th Floor Elevators, The Monks, The Sonics, The Doors, Jimi Hendrix, The Stooges, Velvet Underground, Love / Arthur Lee, Pink Floyd (1967-1972), Can, Soft Machine, King Crimson, Roxy Music; Nick Drake, Lou Reed, John Cale, Neil Young, Joni Mitchell, Led Zeppelin, Frank Zappa ; Lincoln Chase, Curtis Mayfield, Sly & The Family Stone ; The Clash, Joy Division, The Fall, Echo & The Bunnymen ; Ramones, Pere Ubu, Talking Heads, The Gun Club, Sonic Youth, Pixies, Radiohead, Tindersticks, Divine Comedy, Cornelius, Portishead, Beirut, Yo La Tengo, The Magnetic Fields, Smog / Bill Callahan, Lambchop, Califone, My Brightest Diamond, Tuneyards ; Arthur Russell, David Sylvian, Brian Eno, Scott Walker, Tom Zé, Nick Cave ; The Lounge Lizards / John Lurie, Blurt / Ted Milton, Bill Evans, Chet Baker, John Coltrane, Jimmy Smith ; Linton Kwesi Johnson, Lee "Scratch" Perry ; Jacques Brel, Tom Waits, Amália Rodrigues ; Nils Frahm, Peter Broderick, Greg Haines, Hauschka ; Franz Schubert, Franz Liszt, Eric Satie, Igor Stravinsky, György Ligeti ; Boris Berezovsky, Gina Bachauer, Ivo Pogorelich, Jascha Heifetz, David Oistrakh, Daniil Trifonov
Agustina Bessa Luís, Anna Akhmatova, António Franco Alexandre, Armando Silva Carvalho, Bob Dylan, Boris Vian, Carl Sagan, Cole Porter, Daniil Kharms, Evgeni Evtuchenko, Fernando Pessoa, George Steiner, Gonçalo M. Tavares, Guy Debord, Hans Magnus Enzensberger, Harold Bloom, Heiner Müller, João MIguel Fernandes Jorge, John Mateer, John McDowell, Jorge de Sena, José Afonso, Jürgen Habermas, Kevin Davies, Kurt Vonnegut Jr., Lêdo Ivo, Leonard Cohen, Luís de Camões, Luís Quintais, Marcel Proust, Marina Tzvietaieva, Mário Cesariny, Noam Chomsky, Ossip Mandelstam, Ray Brassier, Raymond Williams, Roland Barthes, Sá de Miranda, Safo, Sergei Yessinin, Shakespeare, Sofia M. B. Andresen, Ted Benton, Vitorino Nemésio, Vladimir Maiakovski, Wallace Stevens, Walter Benjamin, W.H. Auden, Wislawa Szymborska, Zbigniew Herbert, Zygmunt Bauman
Algum som & imagem: