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[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
Peter Sellers, John Cleese e Ringo Starr, em "The Magic Christian" (Joseph McGrath, 1969)
When nations grow old the Arts grow cold and Commerce settles on every tree.
em "On Art And Artists", William Blake (1800)
The B- 52's, 1986, Communicate (mas não demasiado, só quando tivermos algo de substante a dizer ao mundo)
Numa tarde menos preguiçosa, talvez esbanje mais algumas intimidades inúteis, fundamentando o meu cansaço, por volta dos 18-20 anos, com a chamada “ficção científica”. Hoje, no sufoco de uma dezena de graus acima do limite da minha céltica estabilidade emocional (15º-25º?), oh, como está difícil comunicar o que seja!, mas adiante.
Bom, o principal responsável pelo meu distanciamento da chamada “ficção científica” teve por nome Kurt Vonnegut, Jr. No final da adolescência, li quase tudo dele e sobre ele. Licenciado em Optometria, ou algo assim, não tinha um grande domínio da Palavra (a sério, era demasiado proisaico, faltou-lhe um capricho qualquer...). Denotava "apenas" uma imaginação imparável, uma fonte inesgotável de ideias. Em qualquer dos seus romances – por vezes, numa só página –, revelava mais visões e ficções do Passado, Presente ou Futuro, do que muitos laureados durante um romance inteiro.
Da maior parte delas servi-me para concluir, que tanto as suas – as dele, Kurt Vonnegut, Jr. – como as antevisões mais fabulosas da chamada “ficção científica” (Robert Heinlein e Ursula Le Guin, p.ex.), não passavam de reflexões, algo metafóricas, demasiado "moralistas", sobre a humanidade contemporânea de cada autor.
Sabem que mais/menos? O Presente, por tão obviamente fátuo, talvez não exista, talvez tenha desistido de ser, diante do peso, bem maior, do Passado e Futuro, sempre tão demasiado próximo na melhor/pior parte de quase todos nós. Filosofias, n'é? Esqueçámo-las, imolemo-nas na pira da nossa crescente desmemória.
Vonnegut, dizem, terá usufruído de um inesperado êxito entre alguma população universitária norte-americana, no final da década de 60 do século passado. Bem melhor do que outros (Arthur C. Clarke, Isaac Asimov, p.ex.), tão mais "científicos” e tão mais pobres a desenhar futuros, Vonnegut, sobretudo entre as décadas de 50 e 80 do séc. XX, através do seu só aparente delírio imaginativo, descreveu como era difícil chegar ao Outro naquele tempo.
Em "Galápagos" (1985), meio ironicamente, lamentava-se de o volume dos nossos cérebros ter aumentado demasiado, daí sendo previsíveis crescentes dificuldades na comunicação. Só mais um par de detalhes num post já demasiado longo:
Num dos seus romances mais conhecidos, “Slaughterhouse-Five“ (1969), refere um “seu” animal de estimação - um cão -, a quem teriam cortado a cauda e, que, “nessa ausência”, ficou incapacitado de demonstrar aos seus semelhantes se apreciava ou não a sua companhia. Ainda mais elucidativo, um excerto de “Breakfast of Champions” (1973):
Como tantas outras histórias de Trout, esta era sobre um falhanço trágico na comunicação. Eis a sinopse:
Bom, fosse lá o que fosse, que no ínicio pretendia dizer, no fundo, comunicar é isto, n'é? Quando dialogamos, 9 em cada 10 vezes, o que sobra, caraças? Pulgas, carraças, cócegas, catares colectivos? Nunca pior, mas tampouco não me basta, a sério que não. Ainda pouco mais do que macacos, n'é?
Everybody Knows (except you), The Divine Comedy, 1997
Um jovem furgão que pára do outro lado da rua
Os dizeres estampados na metálica chapa suja de branco
Amândio José & Vitória dos Santos, Lda.
- Tectos Falsos, Divisórias e Isolamentos
O casal que dele radiante sai e de mãos dadas ingressa
Num comércio por mim há muito abandonado
I'm Throwing My Hands Around Paris, Morrissey, 2009
Antes de mais, é forçoso adiantar que Oscar Wilde, sempre na contramão (por natureza ou pose, não importa agora), em “O Declínio da Mentira” investe contra a predominância do real na literatura e na sociedade da 2ª metade do séc. XIX, defendendo, com dedos, pés e dentes, a sua dama: a Arte, a Invenção e seus derivados, para si (e para mim), únicas ferramentas capazes de suportar a quase sempre miserável Realidade…
Não me cabe duvidar de Wilde, nem das circunstâncias do Tempo em que viveu. Desdenhe-se, ou não, de snobes do género, pois, para alegrias futuras, ainda há, vai havendo, necessárias como sempre, utopias que dependem da imaginação de gente assumidamente na revessa seu “próprio” Tempo.
O que me levou a mais este desabafo inútil tem sobretudo a ver com algumas cabeçadas trocadas com os dias de hoje, em que muitos de nós já não sabem distinguir entre invenção e realidade, em que o papel dos objectos, por assim dizer artísticos, acaba por esfumar-se entre o caos informativo que nos cerca.
Esta ignóbil mecânica tem levado, um atrás do outro, a guettos em que inúmeros portadores de, passe a expressão, boa-vontade criativa se encontram actualmente. Chegados aí, até se afigura como natural limitar a comunicação, no caso a produção artística, apenas aos seus semelhantes, mas tal tendência, creio, só serve para perpetuar a triste concentração entre "os arames sociais cada vez mais farpados".
Exemplo: se o que digo ou escrevo atinge apenas 20-50-100 almas e pouco mais, deverei dirigir referências e significados apenas a tão reduzido número de almas, que, no imediato, me podem entender, ou devo facilitar o meu próprio discurso, tentando chegar a milhares/milhões de aparentemente idiotas? Excepto no curto prazo, nada haverá mais errado, e só quem ignore qualquer noção da História da Arte prosseguirá por esse beco sem saída.
Sabem que menos? Francamente, quero que a Arte e todos os que hoje a conjugam em maiúsculas vão ejacular bem longe, em seco como sempre (como poderiam doutro modo, se a lúbrica humidade da Natureza/História/Humanidade se marimbou quase sempre para os melhor intencionados?)
É certo que, apesar da impotência do meu/vosso verniz, continuo a desejar, no meio de tanta feiura, que alguém se dê ao trabalho de fabricar coisas belas, mas, pela saúde do vosso “caralho mais espiritual”, esqueçam de vez em quando esse marketing tão século 18, tão pimba no fundo:
«A Arte acima de tudo», «o papel providencial de l’artiste», «sim, porque somos uma casta acima da ralé». Céus, quanta náusea, quanto vómito de vós cansado, de tampouco da vossa voz resulta! Esse discurso tresanda ao ranço de um boião de gelatina Royal (alguém se ainda se lembra de tal marca?!). Algum dia se cansarão dessa atitude que não passa de marketing deveras fora de prazo?
Joseph Beuys, desta para pior, foi-se há dúzia e meia de anos, não sem antes debitar algo que é forçoso repetir: “Actualmente [a Arte] não tem nenhuma relação com a sociedade, e esta separação leva-nos a uma conclusão perigosa: que a cultura está estritamente ligada à lei, à produção, ao dinheiro, ao produto nacional, ao status de cada indivíduo dentro da sociedade. […] Necessito construir um mundo autenticamente diferente, onde a ideia de Arte tenha uma função especial, relacionada com a sociedade como algo colectivo."
Ok, chegado aqui, persistindo vai a certeza de que, numa vida já longe de ser curta, nunca defendi algo de mais in/útil.
The Picture of Dorian Gray, por Thomas Beg, 2012
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Retrato, Cecília Meireles, 1937
Walking Wounded, Everyrhing But The Girl, 1996
Entre o imenso deserto/tanto lixo em redor, entre o que
Minimamente vale, entre o vapor e betão actuais quais
Os exactos sinais “mais” que revelam os elementos “disso”
Eu/nós?; eu=silêncio/tu=voz?; individuo vs. sociedade, etc.
Esta ou tantas famílias - a minha, p.ex., que nunca funcionou
E talvez nunca vá funcionar, “Isso tudo” e algo mais “natural”
Mas, quantos somos/seremos os que, por defeito
Ainda funcionamos em colectivo? - Eu não, é óbvio!
Mas quantos sabemos o que vale essa pena mínima/máxima
À solidão inerente a tantos tão tristes? Quase nada vale agora, n’é?,
Bom, até quando perdurará a in/felicidade de sermos tão poucos?
Ei! Quem puder/souber tente interpor um relógio mais saudável nisto tudo
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
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Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
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