Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
[ sons, imagens e palavras nada recomendáveis, deveras pouco legíveis em telemóveis "inteligentes" ]
Quatro horas da tarde.
O poeta sai de casa com uma aranha nos cabelos.
Tem febre. Arde.
E a falta de cigarros faz-lhe os olhos mais belos.
Segue por esta, por aquela rua
sem pressa de chegar seja onde for.
Pára. Continua.
E olha a multidão, suavemente, com horror.
Entra no café.
Abre um livro fantástico, impossível.
Mas não lê.
Trabalha - numa música secreta, inaudível.
Pede um cigarro. Fuma.
Labaredas loucas saem-lhe da garganta.
Da bruma
espreita-o uma mulher nua, branca, branca.
Fuma mais. Outra vez.
E atira um braço decepado para a mesa.
Não pensa no fim do mês.
A noite é a sua única certeza.
Sai de novo para o mundo.
Fechada à chave a humanidade janta.
Livre, vagabundo
dói-lhe um sorriso nos lábios. Canta.
Sonâmbulo, magnífico
segue de esquina em esquina com um fantasma ao lado.
Um luar terrífico
vela o seu passo transtornado.
Seis da madrugada.
A luz do dia tenta apunhalá-lo de surpresa.
Defende-se à dentada
da vida proletária, aristocrática, burguesa.
Febre alta, violenta
e dois olhos terríveis, extraordinários, belos.
Fiel, atenta
a aranha leva-o para a cama arrastado pelos cabelos.
O Poeta em Lisboa, António José Forte (ed. 2003)
Lisboa à Noite, por HPL, 2007 (música: Worry About You, Ivy)
O prosador (salvo disso seja) de blogues (sim, ainda com algum orgulho nisso) está a precisar de meias-solas, um couro qualquer nos pés e na alma. Nas últimas semanas, durante as horas roubadas a versos electrónicos e em papel, as quais (confessa sem nenhum assomo de orgulho), lhe pagam tecto, comida, livros e outros ócios, tem trabalhado cerca de 8 horas, percorrido dúzias de kms por dia. Ou seja, mais do que o dobro da sua média, a bem dizer, uma obscenidade que o faz soltar surdos impropérios contra a crescente e irracional obsessão estatística do seu ministério.
O prosador (salvo disso seja) de blogues (sim, ainda com algum orgulho nisso), tem-se sentido como aquelas personagens de romances de Graham Greene há muito lidos (no tempo das bibliotecas itinerantes da Gulbenkian), exilados na canícula de uma qualquer república das bananas da América Central, sempre limpando a testa, a suar enquanto secam ressuores, consumindo hectares de floresta em lenços agora de papel.
Ainda hoje, à deriva nos lumiares desertos do extremo norte de Lisboa (seria já Sintra, Loures, Santarém, ou quiçá Freixo de Carrapatosa?!), esgotados os kleenexes, arrancou um par de poemas-eucaliptos de um livro de renomado poeta presencista. A fronte agradeceu, mas nem isso tornou o seu âmago menos ausente.
Na introdutória pág. 6 da 1ª edição de "Poesia de António Maria Lisboa", ed. Assírio e Alvim, 1977, estabelecida pelo Sr. de Vasconcelos (Cesariny Mário, clário) pode ler-se:
Nota do Director da Colecção (E. M. de Melo e Castro): Por não ter sido consultado pelos editores Assírio e Alvim quanto à inclusão de POESIA DE ANTÓNIO MARIA LISBOA na colecção DOCUMENTA POÉTICA (que tem sido por mim dirigida, encomendando as Obras aos seus Autores e com eles discutindo livremente quanto a matérias e critérios), declino qualquer responsabilidade sobre o seu conteúdo, que, aliás, até hoje, 20 de Outubro de 1977, me não foi dado a conhecer, nem pelos Editores, nem pelo Autor da Obra.
Nota do Editor: o editor não subscreve parte das afirmações e acusações produzidas neste volume pelo responsável pela edição, Mário Cesariny de Vasconcelos.
"Home", vídeo de Pedro Miguel (+ 2000 Light Years From Home, The Rolling Stones)
E vistas assim as coisas fragmentariamente é certo
e a custo na imensidão da desordem
a que terão de ser constantemente arrancadas
Eu falo somente dos relógios caídos, dos autocarros
Eu falo somente dos pés vermelhos
Eu falo... eu falo... eu falo...
Resulta isto dum olhar rápido sobre a cidade desconhecida
No vigésimo século as nuvens são árvores
e os pássaros mais pequenos grandes paquidermes
Ainda um céu marinho de agonia onde eu
sou um copo de aguardente francesa e tu
uma gaivota que passa rente ao barco que me leva
Sim, é verdade, os cabelos loiros
Então, meia-noite!
Senhora, se me dá licença, este dia acabou
colagem de excertos de 3 poemas de António Maria Lisboa
António Lopes Ribeiro / Leitão de Barros, 1947
no país no país no país onde os homens
são só até ao joelho
e o joelho que bom é só até à ilharga
conto os meus dias tangerinas brancas
e vejo a noite Cadillac obsceno
a rondar os meus dias tangerinas brancas
para um passeio na estrada Cadillac obsceno
e no país no país e no país país
onde as lindas lindas raparigas são só até ao pescoço
e o pescoço que bom é só até ao artelho
ao passo que o artelho, de proporções mais nobres,
chega a atingir o cérebro e as flores da cabeça,
recordo os meus amores liames indestrutíveis
e vejo uma panóplia cidadã do mundo
a dormir nos meus braços liames indestrutíveis
para que eu escreva com ela, só até à ilharga,
a grande história do amor só até ao pescoço
e no país no país que engraçado no país
onde o poeta o poeta é só até à plume
e a plume que bom é só até ao fantasma
ao passo que o fantasma - ora aí está –
não é outro senão a divina criança (prometida)
uso os meus olhos grandes bons e abertos
e vejo a noite (on ne passe pas)
diz que grandeza de alma. Honestos porque.
Calafetagem por motivo de obras.
É relativamente queda de água
e já agora há muito não é doutra maneira
no país onde os homens são só até ao joelho
e o joelho que bom está tão barato
em “Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano”
Cesariny, Mário (1956)
[…]
Que pena realmente o nosso excesso de mares
e o nosso realmente só querermos isso
que pena a praia abandonada às ondas
e a lua que não deu uma para a caixa
assim como fizemos nem os bichos quiseram
foram todos para a Suiça que é mais perto
mesmo do vácuo mais perto --- da morte branca mais limpos
(digo bichos decentes --- de vários metros de alto
porque ao cão e ao gato tanto se lhes dá)
A neve nos sapatos como uma barba
lembra-me o Gama dos livros de infância
Que chapéu ele usava!
Então aquela Índia começava assim?
E o mar que nós fizemos só para ser ondeado?
Crianças de piroca grande a remexer na trave do infinito
Luís de Sousa Luiz Vaz de Almada Luiz Pacheco
depois da praia surgia o terror
e depois do terror a destruição
Tudo o que aniquilámos porque parecia nosso sem testemunhas
e era jovem --- dúctil --- como um corpo nu
que esburacámos vivo só porque tínhamos ferros para isso
e assim não ficou escrito --- nunca será lido
[…]
em Ode a Outros e a Maria Helena Vieira da Silva
Cesariny, Mário (“19 projectos de prémio Aldonso Ortigão
seguidos de Poemas de Londres”, 1971)
"Vous rêvez" (dir. Julien Eger and Johann Buchholz)
Indícios?, por demais
um tremendo cansaço
de coisas feias, e daí
sons, diversos traços
caracteres alguns
de um rasto só
Algum tempo:
2017 Janeiro 2016 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro ; 2015 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro ; 2014 Dezembro Novembro Outubro
Setembro Agosto Julho
Junho
Maio Abril Março Fevereiro Janeiro; 2013 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho Maio Abril Março Fevereiro Janeiro; 2012 Dezembro Novembro Outubro Setembro Agosto Julho Junho
(arquivos não acessíveis
via Google Chrome)
Algumas pessoas:
T ; José Carvalho da Costa, Francisco Q ; Alcino V, Vitor P ; José Carlos T, Fernando C, Eduardo F ; Paulo V, "Suf", Zé Manel, Miguel D, S, Isabel, Nancy ; Zé T, Marcelo, Faria, Eliana ; Isabel ; Ana C ; Paula, Carlos, Luís, Pedro, Sofia, Pli ; Miguel B ; professores Manuel João, Rogério, Fátima Marinho, Carlos Reis, Isabel Almeida, Paula Morão, Ivo Castro, Rita Veloso, Diana Almeida
Outros que, no exacto antípoda dos anteriores, despertam o pior de mim:
Demasiados. Não cabem aqui. É tudo gente discursivamente feia. Acendendo a TV ou ouvindo quem fora dela reproduz agendas mediáticas, entre o vómito e o tédio a lista tornar-se-ia insuportavelmente longa.
Uma chave, mais um chavão? A cultura popular do início deste séc. XXI fede !
joseqcarvalho@sapo.pt
José Afonso ; 13th Floor Elevators, The Monks, The Sonics, The Doors, Jimi Hendrix, The Stooges, Velvet Underground, Love / Arthur Lee, Pink Floyd (1967-1972), Can, Soft Machine, King Crimson, Roxy Music; Nick Drake, Lou Reed, John Cale, Neil Young, Joni Mitchell, Led Zeppelin, Frank Zappa ; Lincoln Chase, Curtis Mayfield, Sly & The Family Stone ; The Clash, Joy Division, The Fall, Echo & The Bunnymen ; Ramones, Pere Ubu, Talking Heads, The Gun Club, Sonic Youth, Pixies, Radiohead, Tindersticks, Divine Comedy, Cornelius, Portishead, Beirut, Yo La Tengo, The Magnetic Fields, Smog / Bill Callahan, Lambchop, Califone, My Brightest Diamond, Tuneyards ; Arthur Russell, David Sylvian, Brian Eno, Scott Walker, Tom Zé, Nick Cave ; The Lounge Lizards / John Lurie, Blurt / Ted Milton, Bill Evans, Chet Baker, John Coltrane, Jimmy Smith ; Linton Kwesi Johnson, Lee "Scratch" Perry ; Jacques Brel, Tom Waits, Amália Rodrigues ; Nils Frahm, Peter Broderick, Greg Haines, Hauschka ; Franz Schubert, Franz Liszt, Eric Satie, Igor Stravinsky, György Ligeti ; Boris Berezovsky, Gina Bachauer, Ivo Pogorelich, Jascha Heifetz, David Oistrakh, Daniil Trifonov
Agustina Bessa Luís, Anna Akhmatova, António Franco Alexandre, Armando Silva Carvalho, Bob Dylan, Boris Vian, Carl Sagan, Cole Porter, Daniil Kharms, Evgeni Evtuchenko, Fernando Pessoa, George Steiner, Gonçalo M. Tavares, Guy Debord, Hans Magnus Enzensberger, Harold Bloom, Heiner Müller, João MIguel Fernandes Jorge, John Mateer, John McDowell, Jorge de Sena, José Afonso, Jürgen Habermas, Kevin Davies, Kurt Vonnegut Jr., Lêdo Ivo, Leonard Cohen, Luís de Camões, Luís Quintais, Marcel Proust, Marina Tzvietaieva, Mário Cesariny, Noam Chomsky, Ossip Mandelstam, Ray Brassier, Raymond Williams, Roland Barthes, Sá de Miranda, Safo, Sergei Yessinin, Shakespeare, Sofia M. B. Andresen, Ted Benton, Vitorino Nemésio, Vladimir Maiakovski, Wallace Stevens, Walter Benjamin, W.H. Auden, Wislawa Szymborska, Zbigniew Herbert, Zygmunt Bauman
Algum som & imagem: